segunda-feira, 16 de agosto de 2021

na janela do meu quarto

na janela do meu quarto

onde sinto o cheiro do jantar que está sendo preparado pela vizinha

onde vejo relâmpagos

onde ouço a chuva

onde sinto o vento

onde já presenciei lares sendo construídos onde antes era apenas floresta

onde fumei o meu primeiro e o meu último cigarro

onde me descobri artista

onde me descobri mulher gente ser cientista professora animal força acaso sorte reconstrução

onde pensei nos rapazes e nas mulheres que eu amei

onde vi a minha mãe criando um jardim no cimento

onde já pensei em suicídio

onde consigo ver um riacho que a minha avó contou que antes também passava pelo nosso quintal

onde infinitas vezes eu já observei a minha avó

onde eu senti o cheiro do café da minha avó

onde eu sorri pra minha avó

onde eu briguei com a minha avó

onde eu já senti o maior amor do mundo

onde lutei brigas que só existiam em minha cabeça

onde eu sentei por noites seguidas pensando se a vida seria só isso

onde eu sentei pra ler um livro e pensei que a vida poderia ser só isso

onde eu quebrei o vidro da janela por raiva

onde eu reformei a janela inteira com cimento massa lixa tinta 

onde eu olho agora e me acho a pessoa mais sortuda do mundo por ter tudo o que preciso

onde eu cresci

onde fui criança e joguei bonecas no quintal do vizinho

onde fui jovem e praguejei a vida

me vejo adulta

e percebendo com clareza que essa é uma das últimas vezes que eu vou olhar pela janela do meu quarto com os mesmos olhos que olhei pela janela do meu quarto nos últimos vinte e oito anos

Nenhum comentário:

Postar um comentário