na janela do meu quarto
onde sinto o cheiro do jantar que está sendo preparado pela vizinha
onde vejo relâmpagos
onde ouço a chuva
onde sinto o vento
onde já presenciei lares sendo construídos onde antes era apenas floresta
onde fumei o meu primeiro e o meu último cigarro
onde me descobri artista
onde me descobri mulher gente ser cientista professora animal força acaso sorte reconstrução
onde pensei nos rapazes e nas mulheres que eu amei
onde vi a minha mãe criando um jardim no cimento
onde já pensei em suicídio
onde consigo ver um riacho que a minha avó contou que antes também passava pelo nosso quintal
onde infinitas vezes eu já observei a minha avó
onde eu senti o cheiro do café da minha avó
onde eu sorri pra minha avó
onde eu briguei com a minha avó
onde eu já senti o maior amor do mundo
onde lutei brigas que só existiam em minha cabeça
onde eu sentei por noites seguidas pensando se a vida seria só isso
onde eu sentei pra ler um livro e pensei que a vida poderia ser só isso
onde eu quebrei o vidro da janela por raiva
onde eu reformei a janela inteira com cimento massa lixa tinta
onde eu olho agora e me acho a pessoa mais sortuda do mundo por ter tudo o que preciso
onde eu cresci
onde fui criança e joguei bonecas no quintal do vizinho
onde fui jovem e praguejei a vida
me vejo adulta
e percebendo com clareza que essa é uma das últimas vezes que eu vou olhar pela janela do meu quarto com os mesmos olhos que olhei pela janela do meu quarto nos últimos vinte e oito anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário