quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

segunda

vem. vem na segunda. vem na segunda, porque na terça eu encontrei meu corpo perdido em um outro corpo, outra cidade, outra cama, e depois em outro chão de banheiro. vem na segunda, porque na quarta eu me vi mentindo e trapaceando, e eu já nem sou tão jovem pra isso. vem na segunda, porque na quinta, depois de curar a ressaca e lavar o rosto pelo menos dez vezes, eu resolvi tentar de novo. vem na segunda, porque na sexta eu tentei de novo e, em outro corpo, não encontrei o que procurava. vem na segunda, porque no sábado eu descobri coisas novas sobre a nebulosa de órion e quis te contar. vem na segunda, porque no domingo eu acordei mais cedo, pintei e redecorei o quarto inteiro, bebi e ouvi o Black Album, ri e chorei, terminei aquele artigo sobre inteligência artificial pra mandar pra aquela revista norte-americana e só queria gastar as horas que sobraram te ouvindo contar mais sobre o teu livro.
que belo mês escolhi pra parar de fumar. que propícia hora pra largar de vez os ansiolíticos e ser ao mesmo tempo cética quanto aos placebos indicados pra substituí-los. que ideia brilhante a de sentar na varanda, em meio a uma tempestade de verão, de calcinha e sutiã. que momento maravilhoso da madrugada quando sono nenhum se agarra a mim e o peso de tudo o que eu poderia ser me cobre, como manta, e me deixa aterrorizada e imóvel, enquanto olho as gotas de chuva que não me atingem. que absurda a vontade de te ligar, às 2:17 da manhã, inspirada por um raio no céu que iluminou o lugar nas minhas coxas onde eu sentia cócegas quando você beijava.
me distraio porque lembrei que preciso colocar as minhas plantas pra tomarem banho de chuva. coloco o roupão, faço o que tenho que fazer, sento de novo na cadeira fria da varanda, dessa vez escolho vinho, e termino depois de quase uma hora, com a ajuda das luzes dos outros apartamentos e dos raios, aquele escrito sobre o que perdi de poesia, do que era, sou ou poderia ser; Você ou a Nicotina, foi como chamei o poema.
o frio então me vence e decido entrar. mas você tem as chaves e a noite vai ser longa. então vem. se eu não te ouvir, faz barulho. mas vem. vem segunda. vem uma segunda vez.

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